Em Os Dramaturgos de Yan — publicado em 1974 na portuguesa Argonauta (n. 205) — encontramos uma discussão sobre as possibilidades e limitações do conceito de obra de arte total. Para entendermos esta ideia, precisamos recuar no tempo e lançar um olhar sobre uma polêmica que sacudiu o mundo cultural na Alemanha do séc. XIX.
Uma
das tendências da cultura eurocêntrica ao longo dos últimos séculos foi a de uma
crescente abstração e separação das manifestações artísticas. Essa tendência está bem evidenciada na obra de
compositores como Beethoven e Brahms. O progresso musical corresponde,
de acordo com esse ponto de vista, à uma crescente autonomia estética da música
em relação às demais artes (e à natureza). Advoga-se uma música "absoluta", representada pela tradição sinfônica da música de
concerto puramente instrumental, sem roteiro (programa), texto (canto) ou dança.
No caminho oposto, temos figuras como Wagner — compositor de ópera — e Nietzsche — filósofo. Mesmo que os dois tenham eventualmente se desentendido, ambos reagiram à música “absoluta” e estavam mais ou menos de acordo que o futuro pertencia à “obra de arte total” (gesamtkunstwerk). Para eles, o teatro grego era o modelo primordial de unidade entre arte e vida. A expressão “sétima arte” — usada hoje normalmente em referência ao cinema — representa exatamente esse ideal de uma nova reunião das seis artes clássicas — arquitetura, escultura, pintura, música, literatura e dança — em uma forma que as sintetize.
O que Brunner faz em Os Dramaturgos de Yan é levar o conceito de arte total até suas últimas consequências. Seria possível expandir o conceito de obra de arte de forma a envolver um planeta inteiro, afetando sua cultura, economia e ecologia? Quais seriam as consequências de semelhante operação, de uma dissolução completa da fronteira entre arte e vida? E como seria a versão não humana da gesamtkunstwerk, tal como praticada por uma outra espécie inteligente?
A exploração destas questões conduz a respostas surpreendentes e aterrorizantes. E para mim, pessoalmente, o interesse em ler Os Dramaturgos de Yan está justamente neste debate. Trata-se de uma narrativa confusa, do tipo em que ao final nos perguntamos: mas o que exatamente aconteceu aqui? Se você se interessa por arte, creio que vale a leitura.
Tem a ver:
Nenhum comentário:
Postar um comentário