quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

TROMBETAS DA REVOLUÇÃO

Estou relendo “Trombetas da Revolução”, de Lloyd Biggle Jr., número 174 da Colecção Argonauta. Lembro-me da minha reação ao encontrar este volume pela primeira vez (em um sebo, obviamente, já que é uma publicação dos anos 70): “Este título é demasiado grandiloquente!”, pensei. O título original é de fato mais contido: “The still small voice of trumpets” (além de referenciar a versão King James de 1 Reis 19:12). Mas, ao fim da leitura, percebe-se que o título em português é bem escolhido, afinal.... Gostei muito da obra, na ocasião de minha primeira leitura em meados do início deste século.
Logo nas primeiras páginas o autor trata de nos informar que estamos no planeta Gurnil, na base local de um certo Gabinete de Relações Interplanetárias (GRI). O objetivo é guiar Gurnil na direção da democracia, para que o planeta possa enfim ser admitido na comunidade galáctica. O empreendimento deve desenrolar-se de forma dissimulada e indireta: as instalações são secretas, e os “nativos” (Biggle Jr. emprega esta palavra especificamente) desconhecem a presença dos agentes do GRI. O lema do gabinete é “a democracia imposta do exterior é a mais severa forma de tirania”. Nas palavras do Manual de Campanha do GRI 1048 K, “o gabinete não cria revoluções, cria a necessidade de revolução”.
Estamos às voltas com aquela visão esquemática da história, tão encontradiça na FC. Parte-se do princípio de que a bolha “civilizadora”, iniciada quiçá há meio milênio com as grandes navegações e tendo então como foco a Europa, simplesmente continuará a se expandir indefinidamente pelo universo afora levando consigo sua cultura e valores (entre eles, a democracia).
Mas os agentes atuantes em Gurnil têm suas regras, afinal, e bem poderiam ser considerados débeis e ingênuos se comparássemos suas ações ao tipo de coisa que encontramos em nossas narrativas conspiratórias contemporâneas. De qualquer forma, mostram-se bem-sucedidos em boa parte do planeta, com exceção de Kurr, uma florescente monarquia governada por uma dinastia de reis tão brilhantes quanto cruéis. Por alguma razão, os nativos não parecem interessados em revolução, apesar de 400 anos de trabalho dos agentes nesse sentido. E cabe ao protagonista, Forzom, um recém-chegado, convencê-los a depor seu rei.  Se este livro é lembrado com carinho ao ponto de ser relido, é pela originalidade da solução de Forzom.
O utilitarismo tacanho é frequentemente apontado como um inimigo da ciência, em especial da chamada pesquisa de base. Mas é fácil defendê-la empregando o argumento do longo prazo. Nada aparentemente mais inútil do que a física quântica em seus primórdios, mas as suas aplicações práticas vieram a mostrar-se avassaladoras (e lucrativas). Difícil é defender a arte e a cultura de acusações semelhantes, mas é exatamente o que faz Biggle Jr.! Temos uma narrativa do fracasso do mero utilitarismo e do triunfo da música como fator de transformação social e inovação tecnológica. Sem surpresa, descobri que o autor era um colega de profissão: também um músico.
Tenho dúvidas se teria paciência de ir até o fim de “Trombetas da Revolução” se esta fosse a minha primeira leitura, ou melhor, se o estivesse lendo pela primeira vez com minha cabeça atual. Logo nas primeiras páginas já sacamos que o mocinho e a mocinha vão ficar juntos, entre outras previsibilidades. Mas as segundas leituras têm suas recompensas...  
 
Tem a ver:

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