Ofereço a
seguir minha apreciação pessoal dos volumes 1 a 12. As datas indicadas correspondem ao lançamento
no Brasil, tal como indicado na ficha catalográfica de cada um dos volumes.
1. Portal do Tempo - A. C. Crispin (1991) - Série
Clássica
É uma sequência
literária do episódio televisivo All Our Yesterdays (1969), que é o
penúltimo da Série Clássica (TOS - ao fim da terceira e última temporada). O episódio mostra
Spock envolvendo-se com Zarabeth, no passado glacial do Planeta Sarpeidon. Em Portal
do Tempo, Spock percebe, através de registros arqueológicos de Sarpeidon,
que talvez tenha tido um filho com Zarabeth. Decide-se então a resgatá-lo usando
o Guardião da Eternidade, o portal do tempo apresentado no excelente episódio
televisivo de TOS, The City on the Edge of Forever (1967).
A obra
funciona muito bem em seus próprios termos: de fato, eu a li (e gostei muito
dela) antes mesmo de ter a oportunidade de assistir All Our Yesterdays.
É uma grande aventura espacial, despretensiosa, focada no grande trio Kirk,
Spock e McCoy. Apresenta Zar, o filho de Spock, de forma sensível.
Foi relançado
recentemente pela Aleph, no que pareceu o início de um projeto de uma nova
coleção literária ambientada no universo Star Trek.
2. Encontro em Farpoint - David Gerrold (1991) - Nova
Geração
Trata-se de
uma novelização do episódio televisivo de mesmo nome, que é o piloto da Nova
Geração. É um belo trabalho, que dá profundidade a personagens secundários
como Worf e preocupa-se em conectar o que ocorre com o legado da Série
Clássica. Mas, no mais, segue bem de perto o que vimos nas telas, o
que talvez seja uma pena: não se pode dizer que se trata de uma obra
empolgante, já que o episódio televisivo não o é. Mas certamente apresenta de
forma efetiva os personagens da Nova Geração aos neófitos.
Há uma
apropriada nota inicial, assinada pela Equipe Aleph, informando do recente
falecimento do criador de Star Trek, Gene Roddenberry.
3. Efeito Entropia - Vonda N. McIntyre (1991) - Série
Clássica
Ao manusear
os volumes desta coleção, de forma a avivar a memória antes de escrever este
texto, descobri que não lembrava em absoluto do conteúdo de Efeito Entropia.
Reli o todo o volume e descobri o porquê: é uma obra sobre eventos que, a
rigor, não aconteceram. Spock descobre que a única maneira de efetivamente
combater o crescimento anormal da entropia no cosmos é voltar no tempo e
impedir que o fator que desencadeou o efeito viesse a surgir. Quando ele o faz,
todos os eventos descritos no livro (que são em si detestáveis) são apagados da
existência. Ou, como se diz no jargão trekker, a linha temporal foi implodida,
“colapsada”.
Esse tipo de
enredo não é incomum em Star Trek. Vejamos Children of Time (1997), da
quinta temporada de Deep Space Nine (DS9), em que uma linha temporal
inteira é extinta. Nesse caso, alguma consequência resta na linha temporal
principal: a relação entre Kira e Odo é afetada de forma duradoura, por
exemplo. Não é o que ocorre em Efeito Entropia: os eventos apagados não
têm relevância alguma para ninguém. Como relembrar um livro assim? E mais: por
que o pessoal da Aleph se decidiu a publicar este livro?
Há boas
razões, certamente. A autora, Vonda N. McIntyre, foi uma proeminente autora de
ficção científica. Donna Haraway, filósofa feminista pós-modernista, nos traz
em a A Antropologia do Ciborgue (2013) uma lista de autores de FC que
considera proeminentes para o pensamento social contemporâneo, e McIntyre está
nessa lista. Efeito Entropia é importante por seu pioneirismo: foi a segunda novela do universo Star Trek a ser publicada pela Pocket Books (em 1981, nos EUA), atrás
apenas da novelização de Jornadas nas Estrelas - o Filme, creditada ao
próprio Roddenberry. Ou seja, a primeira aventura original publicada por essa editora, que é a oficial de Star Trek nos EUA ainda hoje. De acordo com a Wikipedia em inglês, elementos deste livro se
tornaram canônicos, como os primeiros nomes de Sulu e Uhura: Hikaru e Nyota.
Tenho em
minha coleção outro livro da mesma autora, Exílio: a Derradeira Esperança,
publicado pela portuguesa Publicações Europa-América, na série Livros de Bolso.
Foi o único dos 73 volumes que possuo desta coleção cuja leitura não consegui
concluir: simplesmente não simpatizei com a narrativa. Realmente, parece que
não consigo apreciar devidamente as obras de McIntyre...
4. A Terra Desconhecida - J. M. Dillard (1992) - Série
Clássica
Uma competente
novelização, derivada do filme de mesmo nome, o sexto de Jornada nas Estrelas
nos cinemas. Grande filme, grande livro.
5. O Navio Fantasma - Diane Carey (1992) - Nova Geração
Na época, foi
minha aventura literária preferida da Nova Geração, apesar da narrativa
basear-se em um conceito não científico. Mas como não apreciar uma adaptação
tão interessante da lenda do Holandês Voador? Obra do fim da Guerra Fria, traz elementos anacrônicos, como uma URSS do futuro que nunca veio a existir.
É um bom exemplo de obra escrita enquanto a Nova Geração ainda engatinhava na TV e os personagens de fato não eram bem conhecidos nem pelos escritores. Lançada nos EUA em 1988, alguns meses antes de The Measure of Man (1989), a obra antecipa de forma muito poética o estatuto de Data como uma forma de vida.
Uma
pertinente nota de abertura informa do recente falecimento de Issac Asimov.
6. A Teia dos Romulanos - M. S. Murdock (1992) - Série
Clássica
Uma narrativa finamente sintonizada com o espírito da Série Clássica, contemplando inclusive os clichês narrativos. Termina com a frase: “A Enterprise inteira desabou na gargalhada!”. Clássico!
Um dos mais
queridos e relidos da coleção. Chekov, Sulu e Scott contam como se saíram com a
famosa simulação insolúvel da Academia da Frota Estelar, Kobayashi Maru, e ao final Kirk revela
como fez para vencê-la. Em minha opinião, a maneira como o recente filme Star
Trek (2009) retrata Kirk superando este teste tem algum débito para com
esse livrinho quase esquecido.
8. Crime em Vulcano - Jean Lorrah (1992) - Série Clássica
Como avaliar
este livro? Para o meu olhar adolescente, dos anos 90, era uma
aventura empolgante ocorrida em Vulcano! Leituras posteriores reduziram meu
conceito do livro para algo como: um óbvio enredo policial tendo Kirk como
investigador. Hoje, creio que se trata de um excelente exemplo de teen
novel.
Em Crime
em Vulcano, somos informados da existência dos seguidores de T’Vet, um
grupo vulcano xenofóbico e violento, opositor dos ensinamentos de Surak e dos
valores federados. Tudo muito semelhante ao que andamos vendo aqui da
Terra. O propósito da obra, claramente, é contrapor-se à retórica do fundamentalismo. Mesmo
consciente da mediocridade da trama, sou grato por ter tido a oportunidade de
encontrar literatura acessível, permeada por valores humanistas, em meus anos
de formação.
A existência
de vulcanos renegados com tais ideias tornou-se, afinal, canônica, como vemos
em Gambit (1993), episódio da sétima temporada da Nova Geração.
9. Os Guardiões da Paz - Gene Deweese (1993) - Nova
Geração
A linguagem
da literatura e aquela dos episódios de TV são bastante distintas em relação às
suas potencialidades. Uma obra literária pode, com muita facilidade, contextualizar
personagens, mostrar o que pensam e porque agem como agem. A linguagem da TV
leva vantagem em mostrar sequencias elaboradas de ação: movimentações,
explosões, perseguições etc., mas é um tanto limitada para mostrar o que
acontece dentro dos personagens.
É como se Os
Guardiões da Paz adotasse para si a linguagem da TV, renunciando às
potencialidades da literatura. Lê-lo é como assistir um raso episódio da
primeira ou segunda temporada da Nova Geração que nunca foi ao ar.
10. Tempo Assassino - Della van Hise (1993) - Série
Clássica
A princípio,
os elementos conjugados nesta obra nada tem de originais: planos maquiavélicos
dos romulanos, viagens no tempo, um envolvimento romântico impossível para
Spock etc. Mas há um elemento muito interessante: viver em uma linha temporal alternativa
teria efeitos colaterais fisiológicos e psicológicos. Em Yesterday’s
Enterprise (1990), da terceira temporada da Nova Geração, apenas uma personagem,
Guinan, pressente a alteração temporal. Mas em Tempo Assassino há uma sensação
generalizada de que algo está errado, com consequências muito interessantes.
Claro está
que esta abordagem da questão das linhas temporais paralelas não é consistente
com o é mostrado no universo Star Trek como um todo. Mas isso não me
impede de considerar esta obra uma de minhas preferidas.
11. I.D.I.C. - Jean Lorrah (1993) - Série Clássica
É a sequência
do vol. 8, Crime em Vulcano. Tem a mesma intenção educativa, como se
pode depreender do título que abrevia a doutrina vulcana da Infinita
Diversidade em Infinitas Combinações. Parte da ação passa-se em Nisus, uma
colônia criada com o objetivo específico de ser um experimento de convivência
entre espécies distintas: humanos, vulcanos, telaritas, orions... e mesmo um
klingon, Korsal, um dos personagens principais.
O filme A
Última Fronteira, quinta produção de Jornada nas Estrelas para os cinemas,
parece ter - em minha opinião - algum tipo de relação com esses livros de Jean
Lorrah: temos um vulcano renegado, Sybok (com uma ideologia mais benigna,
entretanto, que a dos seguidores de T’Vet) e temos um experimento de
convivência entre espécies, Nimbus III, o Planeta da Paz Galáctica (que é um
fracasso, ao contrário de Nisus).
Reli este volume
recentemente, em pleno isolamento social decorrente da pandemia de COVID-19. O caso é que I.D.I.C.
trata um vírus extremamente contagioso que obriga a medidas
extremas. Entre os personagens do livro, há todo o tipo de divergência em relação ao significado da doença, em
como combatê-la etc., mas nenhum personagem chega a argumentar que a doença
simplesmente não existe. A realidade sempre supera a ficção, quer parecer...
12. O Filho de Spock - A. C. Crispin (1993) - Série
Clássica
É uma novela
bem mais ambiciosa que sua predecessora, O Portal do Tempo: apresenta
uma ameaça de dimensões cósmicas interessante e plausível, ao contrário do “efeito
entropia” do vol. 3; desenvolve magnificamente o grande trio; trata com
carinho os demais integrantes da ponte da Enterprise; e traz oportunos
e bem construídos novos personagens além do próprio Zar.
Uma
característica dessa obra é sempre tentar oferecer explicações racionais, como se a autora temesse forçar demasiadamente
os limites da suspensão do descrédito dos leitores. Por exemplo: como Spock e
Zarabeth puderam procriar? No vol. 11, de Jean Lorrah, comentado acima, está
explícito que híbridos como o próprio Spock - fruto da união entre vulcano e
humana - só são possíveis com auxílio tecnológico. Este caminho está bloqueado
para Crispin, já que Zar nasceu por meios naturais. A solução adotada pela
autora é postular algum parentesco entre os habitantes de Vulcano e Sarpeidon,
assumindo que a vida inteligente nesses planetas foi de alguma forma semeada
por uma espécie desconhecida. Esta proposta, de fato, é assumida como canônica
no episódio The Chase (1993), da sexta temporada da Nova Geração
(lembremos que O Filho de Spock foi lançado nos EUA em 1988).
Em Star
Trek todos aparecem falando em inglês o tempo todo, inclusive os
extraterrestres, e vagas menções ao tradutor universal são feitas de tempos em
tempos para aplacar os incrédulos. Por alguma razão, Crispin decidiu que esse
ponto também precisava de alguma racionalização, que foi a seguinte: Zar, ao
voltar ao passado de Sarpeidon, ensinou todo o tipo de tipo de tecnologias úteis,
acelerando o desenvolvimento tecnológico (realmente soa como uma violação da Primeira Diretriz, mas não é ponto aqui). Entre esses "melhoramentos" introduzidos por Zar na cultura e tecnologia de Sarpeidon, estava a
língua inglesa, que eventualmente se tornou dominante no planeta. Está
implícito um preceito que não tem embasamento científico e pode ser realmente
perigoso: o de que certos idiomas são mais “avançados” que outros, e que o
inglês é a mais avançado de todos...
A autora
dialoga bem com outras obras do universo expandido. Membros da equipe de segurança da
Enterprise apresentados em Efeito Entropia (vol. 3) reaparecem aqui:
encontramos novamente personagens como o humano Max Arrunja, cujo grande
talento é não se fazer notar, a menos que o queira. A dupla de médicos Sorel e
Corrigan, criada por Jean Lorrah (vols. 8 e 11), é também mencionada por
Crispin.
Pela primeira vez, aparece neste volume uma nota que se tornaria comum nos números subsequentes: agradecimentos da editora à Frota Estelar Brasileira.
Segue para:
https://tavernadesmade.blogspot.com/2020/12/colecao-jornada-nas-estrelas-da-aleph.html
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