segunda-feira, 30 de novembro de 2020

COLEÇÃO JORNADA NAS ESTRELAS DA ALEPH - Parte 2

 

Ofereço a seguir minha apreciação pessoal dos volumes 1 a 12.  As datas indicadas correspondem ao lançamento no Brasil, tal como indicado na ficha catalográfica de cada um dos volumes.

 

1. Portal do Tempo - A. C. Crispin (1991) - Série Clássica

É uma sequência literária do episódio televisivo All Our Yesterdays (1969), que é o penúltimo da Série Clássica (TOS - ao fim da terceira e última temporada). O episódio mostra Spock envolvendo-se com Zarabeth, no passado glacial do Planeta Sarpeidon. Em Portal do Tempo, Spock percebe, através de registros arqueológicos de Sarpeidon, que talvez tenha tido um filho com Zarabeth. Decide-se então a resgatá-lo usando o Guardião da Eternidade, o portal do tempo apresentado no excelente episódio televisivo de TOS, The City on the Edge of Forever (1967).

A obra funciona muito bem em seus próprios termos: de fato, eu a li (e gostei muito dela) antes mesmo de ter a oportunidade de assistir All Our Yesterdays. É uma grande aventura espacial, despretensiosa, focada no grande trio Kirk, Spock e McCoy. Apresenta Zar, o filho de Spock, de forma sensível.

Foi relançado recentemente pela Aleph, no que pareceu o início de um projeto de uma nova coleção literária ambientada no universo Star Trek.

 

2. Encontro em Farpoint - David Gerrold (1991) - Nova Geração

Trata-se de uma novelização do episódio televisivo de mesmo nome, que é o piloto da Nova Geração. É um belo trabalho, que dá profundidade a personagens secundários como Worf e preocupa-se em conectar o que ocorre com o legado da Série Clássica. Mas, no mais, segue bem de perto o que vimos nas telas, o que talvez seja uma pena: não se pode dizer que se trata de uma obra empolgante, já que o episódio televisivo não o é. Mas certamente apresenta de forma efetiva os personagens da Nova Geração aos neófitos.

Há uma apropriada nota inicial, assinada pela Equipe Aleph, informando do recente falecimento do criador de Star Trek, Gene Roddenberry.

 

3. Efeito Entropia - Vonda N. McIntyre (1991) - Série Clássica

Ao manusear os volumes desta coleção, de forma a avivar a memória antes de escrever este texto, descobri que não lembrava em absoluto do conteúdo de Efeito Entropia. Reli o todo o volume e descobri o porquê: é uma obra sobre eventos que, a rigor, não aconteceram. Spock descobre que a única maneira de efetivamente combater o crescimento anormal da entropia no cosmos é voltar no tempo e impedir que o fator que desencadeou o efeito viesse a surgir. Quando ele o faz, todos os eventos descritos no livro (que são em si detestáveis) são apagados da existência. Ou, como se diz no jargão trekker, a linha temporal foi implodida, “colapsada”.

Esse tipo de enredo não é incomum em Star Trek. Vejamos Children of Time (1997), da quinta temporada de Deep Space Nine (DS9), em que uma linha temporal inteira é extinta. Nesse caso, alguma consequência resta na linha temporal principal: a relação entre Kira e Odo é afetada de forma duradoura, por exemplo. Não é o que ocorre em Efeito Entropia: os eventos apagados não têm relevância alguma para ninguém. Como relembrar um livro assim? E mais: por que o pessoal da Aleph se decidiu a publicar este livro?

Há boas razões, certamente. A autora, Vonda N. McIntyre, foi uma proeminente autora de ficção científica. Donna Haraway, filósofa feminista pós-modernista, nos traz em a A Antropologia do Ciborgue (2013) uma lista de autores de FC que considera proeminentes para o pensamento social contemporâneo, e McIntyre está nessa lista. Efeito Entropia é importante por seu pioneirismo: foi a segunda novela do universo Star Trek a ser publicada pela Pocket Books (em 1981, nos EUA), atrás apenas da novelização de Jornadas nas Estrelas - o Filme, creditada ao próprio Roddenberry. Ou seja, a primeira aventura original publicada por essa editora, que é a oficial de Star Trek nos EUA ainda hoje. De acordo com a Wikipedia em inglês, elementos deste livro se tornaram canônicos, como os primeiros nomes de Sulu e Uhura: Hikaru e Nyota.

Tenho em minha coleção outro livro da mesma autora, Exílio: a Derradeira Esperança, publicado pela portuguesa Publicações Europa-América, na série Livros de Bolso. Foi o único dos 73 volumes que possuo desta coleção cuja leitura não consegui concluir: simplesmente não simpatizei com a narrativa. Realmente, parece que não consigo apreciar devidamente as obras de McIntyre...

 

4. A Terra Desconhecida - J. M. Dillard (1992) - Série Clássica

Uma competente novelização, derivada do filme de mesmo nome, o sexto de Jornada nas Estrelas nos cinemas. Grande filme, grande livro.

 

5. O Navio Fantasma - Diane Carey (1992) - Nova Geração

Na época, foi minha aventura literária preferida da Nova Geração, apesar da narrativa basear-se em um conceito não científico. Mas como não apreciar uma adaptação tão interessante da lenda do Holandês Voador?  Obra do fim da Guerra Fria, traz elementos anacrônicos, como uma URSS do futuro que nunca veio a existir.

É um bom exemplo de obra escrita enquanto a Nova Geração ainda engatinhava na TV e os personagens de fato não eram bem conhecidos nem pelos escritores.  Lançada nos EUA em 1988, alguns meses antes de The Measure of Man (1989), a obra antecipa de forma muito poética o estatuto de Data como uma forma de vida. 

Uma pertinente nota de abertura informa do recente falecimento de Issac Asimov.

 

6. A Teia dos Romulanos - M. S. Murdock (1992) - Série Clássica

Uma narrativa finamente sintonizada com o espírito da Série Clássica, contemplando inclusive os clichês narrativos. Termina com a frase: “A Enterprise inteira desabou na gargalhada!”. Clássico! 

 

 7. Kobayashi Maru - Julia Ecklar (1992) - Série Clássica

Um dos mais queridos e relidos da coleção. Chekov, Sulu e Scott contam como se saíram com a famosa simulação insolúvel da Academia da Frota Estelar, Kobayashi Maru, e ao final Kirk revela como fez para vencê-la. Em minha opinião, a maneira como o recente filme Star Trek (2009) retrata Kirk superando este teste tem algum débito para com esse livrinho quase esquecido.

 

8. Crime em Vulcano - Jean Lorrah (1992) - Série Clássica

Como avaliar este livro? Para o meu olhar adolescente, dos anos 90, era uma aventura empolgante ocorrida em Vulcano! Leituras posteriores reduziram meu conceito do livro para algo como: um óbvio enredo policial tendo Kirk como investigador. Hoje, creio que se trata de um excelente exemplo de teen novel.

Em Crime em Vulcano, somos informados da existência dos seguidores de T’Vet, um grupo vulcano xenofóbico e violento, opositor dos ensinamentos de Surak e dos valores federados. Tudo muito semelhante ao que andamos vendo aqui da Terra. O propósito da obra, claramente, é contrapor-se à retórica do fundamentalismo. Mesmo consciente da mediocridade da trama, sou grato por ter tido a oportunidade de encontrar literatura acessível, permeada por valores humanistas, em meus anos de formação.

A existência de vulcanos renegados com tais ideias tornou-se, afinal, canônica, como vemos em Gambit (1993), episódio da sétima temporada da Nova Geração.

 

9. Os Guardiões da Paz - Gene Deweese (1993) - Nova Geração

A linguagem da literatura e aquela dos episódios de TV são bastante distintas em relação às suas potencialidades. Uma obra literária pode, com muita facilidade, contextualizar personagens, mostrar o que pensam e porque agem como agem. A linguagem da TV leva vantagem em mostrar sequencias elaboradas de ação: movimentações, explosões, perseguições etc., mas é um tanto limitada para mostrar o que acontece dentro dos personagens.

É como se Os Guardiões da Paz adotasse para si a linguagem da TV, renunciando às potencialidades da literatura. Lê-lo é como assistir um raso episódio da primeira ou segunda temporada da Nova Geração que nunca foi ao ar.

 

10. Tempo Assassino - Della van Hise (1993) - Série Clássica

A princípio, os elementos conjugados nesta obra nada tem de originais: planos maquiavélicos dos romulanos, viagens no tempo, um envolvimento romântico impossível para Spock etc. Mas há um elemento muito interessante: viver em uma linha temporal alternativa teria efeitos colaterais fisiológicos e psicológicos. Em Yesterday’s Enterprise (1990), da terceira temporada da Nova Geração, apenas uma personagem, Guinan, pressente a alteração temporal. Mas em Tempo Assassino há uma sensação generalizada de que algo está errado, com consequências muito interessantes.

Claro está que esta abordagem da questão das linhas temporais paralelas não é consistente com o é mostrado no universo Star Trek como um todo. Mas isso não me impede de considerar esta obra uma de minhas preferidas.

      Pós-escrito (2022): A nova Strange New Worlds traz uma mulher como "praetor" do Império Romulano. Nada que surpreenda os leitores de Tempo Assassino! 

11. I.D.I.C. - Jean Lorrah (1993) - Série Clássica

É a sequência do vol. 8, Crime em Vulcano. Tem a mesma intenção educativa, como se pode depreender do título que abrevia a doutrina vulcana da Infinita Diversidade em Infinitas Combinações. Parte da ação passa-se em Nisus, uma colônia criada com o objetivo específico de ser um experimento de convivência entre espécies distintas: humanos, vulcanos, telaritas, orions... e mesmo um klingon, Korsal, um dos personagens principais.

O filme A Última Fronteira, quinta produção de Jornada nas Estrelas para os cinemas, parece ter - em minha opinião - algum tipo de relação com esses livros de Jean Lorrah: temos um vulcano renegado, Sybok (com uma ideologia mais benigna, entretanto, que a dos seguidores de T’Vet) e temos um experimento de convivência entre espécies, Nimbus III, o Planeta da Paz Galáctica (que é um fracasso, ao contrário de Nisus).

Reli este volume recentemente, em pleno isolamento social decorrente da pandemia de COVID-19. O caso é que I.D.I.C. trata um vírus extremamente contagioso que obriga a medidas extremas. Entre os personagens do livro, há todo o tipo de divergência em relação ao significado da doença, em como combatê-la etc., mas nenhum personagem chega a argumentar que a doença simplesmente não existe. A realidade sempre supera a ficção, quer parecer...

 

12. O Filho de Spock - A. C. Crispin (1993) - Série Clássica

 Outra narrativa baseada em Zar, o filho de Spock, apresentado no vol. 1 da coleção. Gosto deste livro, embora lê-lo seja um prazer culposo. Na organização da estante, esta obra talvez fosse mais bem localizada ao lado de As Brumas de Avalon, de Marion Zimmer Bradley, do que de obras mais sérias de FC como Eu, Robô, de Isaac Asimov.

É uma novela bem mais ambiciosa que sua predecessora, O Portal do Tempo: apresenta uma ameaça de dimensões cósmicas interessante e plausível, ao contrário do “efeito entropia” do vol. 3; desenvolve magnificamente o grande trio; trata com carinho os demais integrantes da ponte da Enterprise; e traz oportunos e bem construídos novos personagens além do próprio Zar.

Uma característica dessa obra é sempre tentar oferecer explicações racionais, como se a autora temesse forçar demasiadamente os limites da suspensão do descrédito dos leitores. Por exemplo: como Spock e Zarabeth puderam procriar? No vol. 11, de Jean Lorrah, comentado acima, está explícito que híbridos como o próprio Spock - fruto da união entre vulcano e humana - só são possíveis com auxílio tecnológico. Este caminho está bloqueado para Crispin, já que Zar nasceu por meios naturais. A solução adotada pela autora é postular algum parentesco entre os habitantes de Vulcano e Sarpeidon, assumindo que a vida inteligente nesses planetas foi de alguma forma semeada por uma espécie desconhecida. Esta proposta, de fato, é assumida como canônica no episódio The Chase (1993), da sexta temporada da Nova Geração (lembremos que O Filho de Spock foi lançado nos EUA em 1988).

Em Star Trek todos aparecem falando em inglês o tempo todo, inclusive os extraterrestres, e vagas menções ao tradutor universal são feitas de tempos em tempos para aplacar os incrédulos. Por alguma razão, Crispin decidiu que esse ponto também precisava de alguma racionalização, que foi a seguinte: Zar, ao voltar ao passado de Sarpeidon, ensinou todo o tipo de tipo de tecnologias úteis, acelerando o desenvolvimento tecnológico (realmente soa como uma violação da Primeira Diretriz, mas não é ponto aqui). Entre esses "melhoramentos" introduzidos por Zar na cultura e tecnologia de Sarpeidon, estava a língua inglesa, que eventualmente se tornou dominante no planeta. Está implícito um preceito que não tem embasamento científico e pode ser realmente perigoso: o de que certos idiomas são mais “avançados” que outros, e que o inglês é a mais avançado de todos...

A autora dialoga bem com outras obras do universo expandido. Membros da equipe de segurança da Enterprise apresentados em Efeito Entropia (vol. 3) reaparecem aqui: encontramos novamente personagens como o humano Max Arrunja, cujo grande talento é não se fazer notar, a menos que o queira. A dupla de médicos Sorel e Corrigan, criada por Jean Lorrah (vols. 8 e 11), é também mencionada por Crispin.

Pela primeira vez, aparece neste volume uma nota que se tornaria comum nos números subsequentes: agradecimentos da editora à Frota Estelar Brasileira. 

Segue para:

 https://tavernadesmade.blogspot.com/2020/12/colecao-jornada-nas-estrelas-da-aleph.html

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