Poucas obras de FC escritas em anos recentes me trouxeram tantas alegrias quanto A Terra Longa (tradução de The Long Earth, de Terry Pratchett e Stephen Baxter), lançada em 2018 pela Bertrand Brasil. A descobri em uma livraria, na estante das novidades. Folheei o volume ao acaso, e quando meus olhos bateram em uma descrição do canto coral do homo habilis, soube que iria levar aquele livro verde comigo.
Sou o primeiro a admitir que a série do qual A Terra Longa é o primeiro volume não é particularmente profunda e que não pode aspirar à relevância, digamos, da recente trilogia de Cixin Liu (O Problema dos Três Corpos e sequencias), embora seja de escrita mais fluente. O que me capturou foi a extraordinária coincidência entre assuntos que me interessam e aqueles abordados neste primeiro volume, tais como:
- A exploração de múltiplas versões do planeta Terra (hipótese multiverso);
- Origens comuns da música e da linguagem (que é parte de meus estudos acadêmicos); canto coral (que é minha profissão);
- A definição de inteligência/consciência, seja natural ou artificial (de fato, um dos personagens, Lobsang, é uma IA, embora alegue não o ser);
- Balões dirigíveis.
Como já confessei por aqui no blog, tenho preguiça de ler literatura em inglês e apenas me disponho a tanto em casos excepcionais. As sequencias de Terra Longa foram um desses casos. Obriguei-me a ler no original, lá por 2020, o volume dois, The Long War (posteriormente lançada em português como A Guerra Longa em 2023). Já menos empolgado, segui para o terceiro, The Long Mars (que faz referências à Duna!). O quarto volume, The Long Utopia, deixei pela metade. Minha impressão foi de que a narrativa se deteriorava, afastando-se do tom do volume inicial. The Long Cosmos, o quinto e último livro, eu não li.
Nesta minha tentativa de ler toda a série pareceu-me que os rumos foram gradativamente se alinhando com a prosa seca de Baxter e afastando-se do humor peculiar de Pratchett. É possível, entretanto, que haja algum viés de confirmação implicado nessa avaliação. É que eu já estava sabendo, ao longo de minhas leituras, que o conceito original da obra é de Pratchett, mas o autor foi diagnosticado com demência em 2007. A parceria com Baxter, que ocorreu em 2010, permitiu a escrita e conclusão da pentalogia entre 2012 e 2016, sendo que Pratchett faleceu em 2015. Se você lê a série tendo esse fato em mente, é realmente tentador explicar os (des)caminhos da pentalogia a partir de um hipotético desaparecimento gradual da voz de Pratchett.
É importante salientar, entretanto, que meus desencantos com a pentalogia são resmungos de alguém que já leu muita FC e de certa forma já esgotou a paciência com alguns clichês do gênero. É uma obra, em seu todo, bem escrita, imaginativa e aventurosa. E o próprio contexto de sua produção, em que os autores correm contra o tempo para concluí-la, é evidência de que nela acreditavam e é em si do maior interesse humano. Tenho o palpite de que é um excelente texto de entrada no mundo da FC — e talvez tenha sido esse também o raciocínio da Bertrand.
Já li a versão em português do segundo volume, A Guerra Longa, e tenho a intenção de adquirir e ler todas as sequencias que venham a ser lançadas no Brasil. Os dois volumes já existentes em versão brasileira são belas edições, e a tradução de Ronaldo Sérgio de Biasi é excelente. E é possível, afinal, que o último volume (que não li) seja maravilhoso e redima os anteriores. Já estou antecipando o prazer de ler The Long Cosmos em português. Que venham os próximos!
Tem a ver:
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Notas de um Mochileiro das Galáxias
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