quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

PIRATAS DO ESPAÇO - Murray Leinster

O termo "fim da história" era tradicionalmente associado à Hegel — um filósofo alemão que viveu entre 1770 e 1831 — até que Fukuyama o reviveu em 1989 para falar da “vitória” estadunidense da Guerra Fria. O fim da história seria o momento em que a humanidade finalmente atingiria uma sociedade estável, equilibrada, perfeita. Como muitos já observaram — inclusive eu mesmo, aqui —, a confluência deste ideal com as aspirações religiosas milenaristas estadunidenses é uma poderosa matriz da FC.

Mas há aqueles que denunciam o conceito de fim de história justamente por ser utópico. Para estes, esta ideia não passa de uma cristalização materialista do conceito cristão da segunda vinda — e por isso mesmo falaciosa. Certamente podemos incluir Piratas do Espaço, de Murray Leinster, no cânone desses descrentes da utopia.  Trata-se do volume 152 da Colecção Argonauta, lançado em Portugal em 1970.

 


 

Piratas do Espaço é uma Space Opera despretensiosa, escrita de forma rigorosamente sequencial e convencional. De fato, seus doze capítulos foram lançados de forma serializada ao longo de 1959 nos EUA. Não espere nela encontrar muitas reflexões filosóficas explícitas, mas certamente há a intenção de estabelecer claramente que a vida em uma confortável utopia no estilo “fim da história” — representada pelo planeta Walden — seria tediosamente sufocante. Somos informados de que grande parte da população de Walden é de pessoas com problemas de saúde mental e que o único setor dinâmico da economia planetária é o da produção de novas e mais potentes drogas.

Tive duas experiências de leitura distintas com esse livro. A primeira foi há cerca de 20 anos. Nessa ocasião o achei divertidíssimo, pois apesar de ser um livro com piratas espaciais, a violência nele retratada é farsesca. Afinal, os piratas descobrem que, no sonolento Walden, são paradoxalmente bem-vindos:

Mas o assalto resultou numa operação muito simples. Os grupos de piratas começaram a proceder ao saque. Os operadores das câmaras atreveram-se a pedir-lhes que se mostrassem através das suas objetivas (...). E pediram muito humildemente aos invasores que autorizassem a captação de imagens enquanto procediam ao saque. Rugindo como selvagens e acrescentando de vez em quando um grito de desafio, os homens transformaram-se em vedetas da televisão (...). Por fim, a polícia viu-se incapaz de conter a pressão da multidão dos espectadores. Rodearam os piratas. Pediram-lhes autógrafos. As raparigas olhavam-nos com os olhos muito redondos — aterrados, mas fascinados. Os jovens sentiram que era muito interessante ajudar a carregar o produto do saque para a nave pirata (pp. 155-56).

Já minha segunda leitura — que acabei de concluir — foi marcada pelo desconforto. O livro agora mais me parece um artefato ideológico dos tempos da Guerra Fria, atual somente na medida em que o debate político contemporâneo vive de ressuscitar os velhos inimigos vermelhos. Mesmo coisas que normalmente não me incomodam se a Space Opera for suficientemente empolgante — como flagrantes violações das leis da física ou furos do enredo — acabaram por atrair minha atenção e distrair-me da narrativa.

Mas uma concessão faço a Leinster: este senhor soube construir o clímax de sua narrativa. E, mais uma vez, ri alto de seus adoráveis piratas.

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