Acabei de reler Orion
Renascerá, de Poul Anderson (1926 – 2001), publicado no Brasil em português
pela Francisco Alves em 1992 — o original em inglês, Orion Shall Rise, é
de 1983. É meu livro preferido do autor, e o único ainda que revisito
eventualmente. Aproveitei para ver o que andam dizendo dele online, e encontrei
na Kirkus Reviews a opinião de que seria demasiadamente derivativo
de obras anteriores de Anderson. É uma avaliação que faz sentido, do ponto dos
que se preocupam com literatura como forma de arte e tudo o que isso implica,
mas que falha em capturar aqueles que são, para mim, os méritos de Orion
Renascerá.
Imagine-se um oleiro que,
ao conceber mentalmente uma peça de particular e difícil formato, dedique sua
vida a tentar produzi-la. Ao longo de anos, novas peças são criadas. Por
aproximações sucessivas, o oleiro chega cada vez mais perto de materializar sua
concepção. É nesses termos optei por entender Orion Renascerá, obra que situa
mais para o final da carreira de Anderson: a culminação de aspectos que já
podiam se divisar em escritos anteriores. Se não há originalidade nos temas e
técnicas, há um sucesso inédito em sua articulação.
A política a serviço da narrativa. Avatar (1978) é um exemplo de aventura espacial arruinada pela necessidade de Anderson de se posicionar politicamente através das falas de seus personagens — o que atravanca o fluir dos acontecimentos. Avatar saiu em português pela coleção Nébula da Europa-América em 1980. Já Orion Renascerá oferece uma trama mais complexa que o debate político só faz enriquecer.
Equilíbrio entre o hard
e o soft. A
FC parece ter essa divisão entre autores que retratam o universo a partir das
ciências físicas — como Issac Asimov e Arthur C.
Clarke — e aqueles que privilegiam das ciências do comportamento humano — como
Frank Herbert e Jack Vance. Orion Renascerá é recheado de conhecimento
histórico e linguístico, como seria de se esperar de uma obra escrita por um
autor que era amigo de
Herbert e Vance. Mas é igualmente sólido o background técnico dos
artefatos tecnológicos fictícios da obra. O próprio título refere-se a um
projeto de Freeman Dyson — se não se importa com o spoiler, veja aqui.
FC com envergadura mítica. Sempre tive a impressão de que
Anderson lamentava não mais existirem bardos e trovadores aptos a exaltarem os
feitos heroicos da era espacial de forma apropriada. Talvez desejoso de ocupar
este papel, faz com que canções desempenhem papeis importantes em obras como
Homens Sem Mundo (1955), que é o volume 144 da Colecção Argonauta. Mas é em Orion Renascerá que temos Plick,
menestrel que lança sobre a narrativa uma dimensão transcendente através de
suas canções. É assim que Anderson constrói, no encerramento deste livro, seu
próprio crepúsculo dos deuses, com potência que creio não ter precedentes em
sua obra (note-se que leio Anderson apenas em português).
Relevância para o presente. Naturalmente, todas as obras FC são fruto de preocupações do tempo
presente. Em obras mais antigas de Anderson como Guerra dos Homens Alados (1958) — que saiu em português pela Hemus (1978) —, o que temos são aventuras espaciais das mais divertidas em que tais preocupações tendem ao segundo plano. Já Orion Renascerá, além de ser uma narrativa de ação
— que inclui até paraquedismo suborbital! —, também pode ser entendido como uma
advertência explícita — e heterodoxa — para nossos dias sobre questões
ambientais e manejo dos recursos naturais.
Orion Renascerá é uma
narrativa atravessada por tensões que permanecem não resolvidas. Anderson
defende o uso responsável da energia nuclear, mas ao mesmo protesta contra as
tiranias do poder estatal. Pois bem: quem irá fiscalizar o uso da energia
nuclear se toda a forma de exercício coletivo do poder é vista como violação da
sacrossanta liberdade do indivíduo? Pelos menos em Orion Renascerá Anderson tem
a dignidade de insinuar que não tem uma resposta satisfatória — e talvez seja
por isso que ainda consiga apreciar este livro. Agora, se considerarmos o corpus
andersoniano como um todo, o que temos é uma linha direta com Elon
Musk, a privatização
do espaço e a autorregularão
das big techs.
Diz a lenda que Jack
Vance certa vez afirmou que Poul Anderson era o homem mais íntegro que conhecia.
Então criei para mim mesmo esta fantasia/opinião de que Anderson encontrou lá pelos
anos 80 alguma sabedoria, tal como expressa por sua relativa moderação em Orion
Renascerá. Tenho agora mesmo ao alcance de minha mão O
Barco de um Milhão de Anos (1989), outra obra do Anderson tardio. Mas não a
estendo para tomar o volume e lê-lo. Não desejo encontrar evidências de estou
errado...
https://tavernadesmade.blogspot.com/2018/02/as-cancoes-da-terra-distante.html
https://tavernadesmade.blogspot.com/2018/02/a-proposito-de-heinlein-e-da-fc.html

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