segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

A PROPÓSITO DE HEINLEIN E DA FC

Tenho repetidamente empregado argumentos do tipo: tal obra difere das visões mais comuns da FC dessa ou daquela forma, e assim por diante. Acabo de ler, pela primeira vez, Estrela Oculta, de Robert A. Heinlein (Ed. Francisco Alves, 1981 - mas a obra é dos anos 50). Eis uma obra que reflete esses padrões “comuns”, escrita por um dos “grandes” da FC.  Uma boa oportunidade de explorar certas convenções, temas e características que venho considerando "centrais" à FC, em especial da chamada "Era Dourada" :

Escrita simples e linear. Muito interesse pelo que os personagens fazem, pouco interesse pela sua interioridade.
Progresso. “Mas progredimos, temos de progredir, se queremos chegar às estrelas” (p. 154). Esta obra, isoladamente, não permite que tenhamos uma compreensão do que é exatamente progresso para Heinlein, mas estabelece que é um conceito direcionador importante.
Expansão. Imaginada a partir dos processos expansionistas ocorridos aqui na Terra. Em vez de navegar pelo mar, navega-se pelo espaço. Novos mundos são descobertos, com “nativos” morando neles. Uma das questões deste livro diz respeito justamente ao relacionamento entre os humanos, que atingiram Marte, e os marcianos, uma raça inteligente distinta: “a raça humana jamais deveria cometer os erros que a sub-raça branca cometera na África e na Ásia” (p. 102). Como seduzir os marcianos a integrarem o Império Terrestre? Como aponta Eward Said, a doutrina expansionista americana preconiza a constituição de um império sem os “erros grosseiros” dos impérios europeus anteriores. Na FC, temos a continuidade deste “imperialismo esclarecido” em escala cósmica. Para completar, como de praxe desde os tempos de Robinson Crusoe, os “nativos” são retratados como uma população informe cujos indivíduos são desprovidos de características pessoais distintivas.
Sexismo. A revoltante citação a seguir é bastante explícita: “Meu pai me ensinara que uma mulher perdoa tudo, até tentativa de estupro com violência, mas que se ofende facilmente com uma linguagem chula” (p. 34).

Entretanto, Heinlein não está sempre em sintonia com o mainstream da FC. Além de ser francamente belicista, falta a Heinlein tanto o entusiasmo irrestrito pela ciência e sua divulgação que caracteriza, por exemplo, Asimov, como a disposição em criticá-la em profundidade que encontramos em Stanislaw Lem (e que remonta à Frankenstein e aos primórdios da FC). 
 
Tem a ver:
                

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